sábado, dezembro 29, 2007

Déja vu


Este conto escrevi há um par de anos, pensando em uma amiga que se separava. Assustei-me ao descobrir a atualidade dele (pra mim, pro meu coração que está esfarrapado...) e resolvi reproduzi-lo no blog. Nada pode ser mais preciso neste momento.



DANZA

Thomas Bernhard. Diários de Brecht, um marcador da livraria do centro, uma moeda de cinco centavos. Um post-it dizendo “Chego tarde”, já sem cola e sem data. O cheiro estranho da caixa de papelão marrom que peguei no supermercado. Cheiro de sabão e iogurte, de presunto e Lysol. É triste que a minha vida, que a nossa vida que acaba agora, tenha cheiros indistinguíveis. Mais triste ainda, que ela tenha se tornado indistinguível das outras vidas, daquelas vidas ordinárias das quais ríamos, sem querer acreditar que todas as coisas se tornam ordinárias em algum momento.

Olho em volta, me vejo em uma cena clichê de separação, raiva, caixas, lembranças, fita marrom de PVC e aquele ar de perplexidade que pertence às viúvas à beira do caixão. Casal se encontra, casal se apaixona, casal se funde para que depois se torça e se desvencilhe a fórceps, como na medicina do século passado; duas pessoas, rasgando e deformando tudo que foram até que depois do tempo ou da inexorabilidade da vida, se tornem algo que nunca haviam vislumbrado.

Paul Auster, Goethe, Shakespeare, um livro sobre duendes(?!?); meu, seu, de quem? O livro dos duendes fica. De birra. De recalque. No meio da sala. E que a primeira pessoa que entre veja um livro sobre duendes maculando a sua imagem arrogante de intelectual. E saiba que você não é quem diz ser, não é quem eu disse que era, não é quem nós fomos e nos mostramos e, acima de tudo, não é alguém que eu conheça neste momento.

Outra moeda de cinco centavos, não tínhamos um lugar pra guardar moedas, que saco! Como eu faço pra retirar todo o investimento que fiz, todas as moedas perdidas, todos os livros, todo meu cheiro das toalhas; eu, inteira, da tinta das paredes?

Coisas espalhadas; coisas que guardo nas caixas e reconheço como minhas; coisas estranhas a nós, que nos pertenceram, mas como não existimos mais e as coisas não deixam de existir (por que não, meu Deus, deveriam!), ganham uma estranheza, tornam-se desencaixadas como se tivessem sido roubadas por nós e guardadas por tanto tempo a ponto de esquecermos. Me surpreendo a cada objeto comum, me deslembro deles e decido que fiquem com você para que a memória de nós, o casal, dure um pouco mais.

Danço entre as caixas na sala pequena do apartamento e tenho saudade do tempo em que cabia nele. Não quero a saboneteira rosa de plástico, porque não sou eu, não guardo sabonetes em saboneteiras! Não quero as panelas pretas que compramos na promoção, porque entendo que com você nunca fui eu, não sou a pessoa que quer comprar panelas na promoção, que quer pintar a casa de azul-clarinho, que tem jogo americano! Não sou a pessoa que fui com você, então não deveria sangrar tão completamente ao sair daqui!

Respiro o ar povoado de Lysol, iogurte e vontade de chorar e gritar e bater em você e bater a cabeça na parede e fingir que estou bem e de estar bem de verdade e esses cheiros todos passando por dentro de mim, sendo devolvidos com raiva, com dor, com saudade, com alívio.

Fecho as caixas uma a uma, minto pra mim, me engano e tento esconder que me sinto rasgada, exposta, oposta a essas caixas que fecho devagar e tão meticulosamente como se elas fossem ficar aqui pra sempre, cápsulas do tempo repletas com a história de um casal que já não é.

Sento no chão, esperando a campainha tocar, o moço da Kombi e o ajudante, que vão carregar a minha potencial vida encaixotada para esse novo lugar, onde vou preencher paredes e armários com minhas coisas e comigo, gavetas com minhas roupas e comigo, estantes com meus livros e comigo; um lugar onde eu existo e você, não.


sexta-feira, dezembro 21, 2007

RENEWED!!!


GO BACK (Titãs)

Você me chama,
Eu quero ir pro cinema,
Você reclama,
Meu coração não contenta,
Você me ama,
Mas, de repente, a madrugada mudou,
E certamente,
Aquele trem já passou...
E se passou, passou daqui pra melhor, foi!

Só quero saber do que pode dar certo,
Não tenho tempo a perder.
Só quero saber do que pode dar certo,
Não tenho tempo a perder.

Não é o meu país,
É uma sombra que pende, concreta,
Do meu nariz em linha reta.
Não é minha cidade,
É um sistema que invento,
Me transforma
E que acrescento
À minha idade.
Nem é o nosso amor,
É a memória que suja
A história,
Que enferruja o que passou.
Não é você,
Nem sou mais eu,
Adeus, meu bem!
(adeus adeus)
você mudou,
mudei também,
adeus, amor
adeus!

Só quero saber do que pode dar certo,
Não tenho tempo a perder!

sábado, dezembro 15, 2007


O avesso é um lugar onde não queremos estar.

Onde tudo se mostra, se derrama, se desfaz.

Do avesso.

Trocado para o lado de fora, visível, vulnerável.

Tudo aquilo que se protege, com epiderme, gordura, sete camadas de tecido; assim, espalhado na rua, passível de infecções, contaminações, morte.

Tudo avesso.

O que era amor, o que era futuro, o que era vida de verdade, ao contrário.

Avesso.