quinta-feira, dezembro 14, 2006

A ver quien lleva la batuta...




Foi-se Augusto Pinochet. E foi tarde, muito tarde. Passou 91 anos empesteando o mundo com sua desumanidade, com sua crueldade assemelhada a de Hitler, Idi Amim, Stálin, Ceaucescu, e tantos outros a quem evitamos chamar "homem" para que não nos rebaixemos.

Pinochet foi uma presença na minha infância.
Dois casais de grandes amigos dos meus pais, e seus filhos, aqui exilados, faziam a alegria de nossos fins de semana. Na casa deles ouvíamos Raíces de América, Mercedes Sosa. Na nossa, Elis Regina, cantando em espanhol, num gravador de rolo que era o xodó da minha mãe. Eu achava estranho que falassem uma língua diferente. Com eles aprendi minha primeira palavra em castelhano: "panza". E achei que espanhol não tinha nada de mais...

Um deles, um artista plástico brilhante, sua esposa, seus três filhos. Um dos quadros mais bonitos que tínhamos em casa foi pintado por ele, em vidro, ao invés de tela. Os meninos eram hemofílicos. E minha mãe me disse que apesar do gene da hemofilia ser materno, a mãe não tinha essa doença.

O outro, colega de trabalho do meu pai; sua esposa, uma senhora bem pequenina a quem amo e admiro profundamente até hoje. Ele, filho de um espanhol franquista. Ela, comunista de carteirinha. Se apaixonaram e se casaram nos ferozes anos 70 de nossa latinoamérica. Ela sobreviveu ao Estádio Nacional. Ele era funcionário da IBM e conseguiu transferir-se para o Brasil, enquanto seu país mergulhava numa noite tão escura quanto a nossa. Tinham dois filhos.

Loucos anos 70... Meu pai só descobriu a gravidade da tortura no Brasil quando estava em Palo Alto, Califórnia, numa missa de domingo que D. Hélder Câmara celebrou na capela da Universidade de Stanford. Ao final da missa, uma pessoa se levantou e pediu aos fiéis que mandassem cartas aos seus congressistas em favor dos desaparecidos e assassinados pela ditadura brasileira.
Nossos carrascos deram todo o suporte logístico, político e educacional para seus pares chilenos. Financiados pela CIA, ensinaram aos hermanos como se esmagam a pele, os ossos e o espírito de todo um povo.

O menino mais novo do pintor morreu por complicações advindas da hemofilia. Voltaram pro Chile com o término da ditadura.
O ex-colega de trabalho do meu pai não aguentou a pressão da vida, do mundo, sabe-se lá, matou-se com um tiro, em São Paulo.
Seu filho mais velho, meu primeiro amor, responsável por minha eterna paixão por Elvis Presley, com sua imitação perfeita do Rei adolescente; faleceu em um acidente de carro, há alguns anos.
Já separada do segundo marido, sua mãe tinha também tinha voltado ao Chile, depois de uma longa temporada nos Estados Unidos.

Todas as tragédias que seguiram o exílio, não têm relação direta com Pinochet e sua horda. Mas paira uma dúvida. Não teria sido diferente sem ele? O mundo, a ordem do mundo, não teria sido diferente?

O maior vilão de todos os tempos ainda é para mim, a cobra do jardim em "Sandra na terra do antes" de Fausto Wolff, que li pela primeira vez aos sete anos; e que carrega o nome de Adolf Stálin Rockefeller Pinochet.

O único que ainda me incomoda é o fato de Augusto Pinochet ter morrido placidamente, beneficiado por um enfarto, sem muita dor, e sem ter encarado suas vítimas, sem ter que desculpar-se pela atrocidade indesculpável que foi sua existência.

Aos chilenos, irmana-se o mundo; Diabo, não aceitamos devolução.

2 comentários:

Anônimo disse...

Diabo, não aceitamos devolução!
Perfeito!

marsiela

maristelatrin@blogspot.com

Bru disse...

"Adolf Stálin Rockefeller Pinochet"


seria este o ser que causaria op fim do mundo?


sem devolução nem ressarcimento!